terça-feira, 5 de março de 2019

"Então e agora..."

Recorro ao meu baú das memórias para refletir o então e o agora dos Jardins de Infância. Então designavam-se estas instituições como Jardins Infantis ou Infantários, assim como as profissionais docentes eram chamadas de Educadoras Infantis - apenas do sexo feminino, que esta era uma profissão vedada aos homens. A verdade é que embora trabalhassem com crianças e pertencessem a um mundo predominantemente infantil, elas não o eram. Infantis, quero eu dizer! E, assim sendo, o adjetivo foi felizmente substituído e hoje em dia a evolução dos tempos - e especialmente das mentes! - permite-nos falar em Educadores de Infância. Homens e mulheres.

Regressando à sala da minha educadora Rosário, recordo-me das felizes brincadeiras que estabelecia no "cantinho" da agora designada Área da Casinha onde, através de inúmeras situações de faz-de-conta, me era permitido, como por magia, crescer  de repente e imitar os mais crescidos naquilo que os via fazer em contexto familiar. Era, de facto, um local mágico e julgo que ainda hoje o é para todas as crianças que têm a possibilidade de fazer uso deste espaço.

Da Área da Expressão Plástica ainda guardo na memória aquele cheirinho característico que a dextrina - um pozinho amarelo para engrossar os pigmentos - dava às nossas tintas! Hoje, as pinturas que saem dos pincéis empunhados pelas nossas crianças são igualmente coloridas e fantasiosas, mas aos adultos basta o inclinar de uma garrafa para encher os copos com as mais lindas e brilhantes core de guache. O cheirinho, esse, nunca mais será o mesmo...
Ainda na mesma área, picotar com perfeição não era para qualquer um, mas hoje em dia sabemos mais e melhor do que colocarmos as crianças  a picotar folhas de árvores ou formas geométricas só porque sim, só porque tem de ser. Eu, confesso, até gostava, mas, lá está, porque era daquelas que o "fazia bem".

Os discos de vinil de então e os gira-discos foram sendo paulatinamente substituídos pelo cassete e pelo gravador, pelo cd e respetivo aparelho, pelas pens e pelos próprios telemóveis ligados a colunas portáteis. A imagem das Rosários a limpar o pó aos discos com a manga da sua bata também não constará das recordações das crianças de hoje. Aliás... discos de vinil?? O que é isso??

As idas à casa de banho nos dias que correm estão bastante mais facilitadas e felizmente já é rara a sala de jardim-de-infância que utiliza aquele inacreditável sistema do sinal vermelho ou verde pendurado na porta da sala e que constantemente condicionava a satisfação das nossas necessidades fisiológicas mais prementes. E todos sabemos que as crianças se distraem com a brincadeira e só vão à última da hora... Pois.

Sentar com as perninhas à chinês continua a ser imperativo naqueles momentos em que necessitamos que nos prestem atenção ou quando em conjunto cantamos canções ou ouvimos histórias. E todas as crianças, a partir de uma certa idade, o sabem fazer, à exceção desta que hoje vos escreve, já que uma das suas pernas teimou até tarde em ficar estendida. Vá... Eles ouvem na mesma!

Do tempo de então, o que realmente deixa saudades era o respeito que os encarregados de educação tinham pela figura do Sr. Professor e da Sr.ª Educadora demonstrando terem consciência que estevam perante pessoas especializadas na arte de ensinar e ajudar a crescer. Hoje em dia, estas figuras educativas são constantemente questionados relativamente a tudo, desde à metodologia adotada , passando pela postura adotada dentro da sala e até mesmo relativamente àquilo que dizem ou pedem às crianças. Em 25 anos de serviço cruzei-me com alguns, felizmente poucos e que não deixaram mazelas no meu desempenho profissional. Ora bem, exigir-lhes a elas, crianças, bom comportamento, respeito pelos colegas e adultos, interesse pela aprendizagem, enquanto que simultaneamente lhes proporcionamos o prazer da descoberta e momentos de verdadeira alegria, tudo isto é direito de um Educador e de um Professor, mas acima de tudo um dever para com a Infância.

Então e agora o que permanece é o amor incondicional pelas crianças de outrora e por aquelas que hoje em dia povoam os nossos sempre mágicos Jardins de Infância!